sexta-feira, 15 de abril de 2011

Tome cuidado, porque o bicho-papão está lá fora, mas tem outro aí dentro também!

Quero começar avisando que não sou psicólogo, sociólogo nem especialista dessa área. O que vou falar aqui é somente fruto de observação e intuição. Imagino até que existam estudos, de intelectuais capacitados, sobre o assunto. Se não existirem, penso que deveriam existir.

Faz algum tempo que intuo que a espetacularização da violência beneficia a TV brasileira em dois momentos. No presente, o momento em que o drama está sendo servido, em doses fartas, aos telespectadores embriagados por sentimentos e emoções atávicas. E no futuro, amanhã, quando o cidadão, com a mente ainda inundada pelo horror das imagens e sons que lhe foram apresentados, constata que o mundo é muito perigoso e decide estar menos na rua e mais no seu sofá, em frente à TV, em segurança, embevecido com o desfile de produtos que ele não pode comprar (humm, mas se usasse o cartão de crédito...).

Bem, parece que até agora estava dando tudo certo para a TV. Com o bicho-papão rondando lá fora, a disputa por público - contra cinemas, teatros, parques, circos - se tornou mais fácil para os grandes canais (Globo, principalmente). Até porque, em boa parte das cidades do interior do país estas atrações simplesmente desapareceram, e nos grandes centros se tornaram economicamente inacessíveis para grande parte da população.

Mas como minha vó dizia: "tudo que é bom dura pouco". Embora se constate que para a TV brasileira, este pouco não foi tão pouco assim. De qualquer forma, parece que chegou mesmo ao fim. Nos tempos atuais as coisas complicaram. É certo que o bicho-papão está cada vez mais forte lá fora, mas o problema para a TV é que o telespectador achou outra coisa para fazer na segurança de sua casa. Navegar por aí, através da rede mundial de computadores. E mais, o cidadão descobriu que por este novo meio, além de poder assistir a vida acontecendo lá fora, ele pode até participar, dialogar com outras pessoas, emitir opiniões, trocar experiências, se fazer ouvir.

Claro que enquanto o acesso à Internet não for algo tão difundido quanto os aparelhos de televisão, as grandes emissoras estarão com vantagem na disputa por corações e mentes. Mas todos sabem que o caminho para a popularização da Internet não tem volta. Por isto a TV já tem sua estratégia, tenta convencer o telespectador de que agora ele tem um bicho-papão dentro de sua própria casa. Isto fica muito evidente quando reportagens enfatizam o quanto a rede mundial facilita e até conduz à prática de diferentes formas de crimes, da difamação, passando pela fraude e chegando até às chacinas e o terrorismo.

O exemplo mais recente, da aplicação dessa estratégia, é o caso da chacina na escola, em Realengo. Em todas as reportagens que assisti foi fácil perceber uma grande ênfase (quase com mórbida satisfação, em alguns casos) ao fato de que o assassino tinha por hábito passar as madrugadas navegando na Internet (aliás, não vi como comprovaram isto, não sei se tiveram acesso aos dados do provedor do rapaz). Só faltava dizerem que se ele passasse as madrugadas assistindo ao BBB, não teria cometido este crime bárbaro.

Bom, duvido que você que está lendo este texto não conheça muitas pessoas, que nem da distância de  séculos-luz pensam em cometer qualquer tipo de crime, mas que passam sim madrugadas inteiras conectadas à rede. Isto não importa para a velha TV, o que servir de munição para atingir o novo inimigo será usado. A estratégia é enfatizar os aspectos negativos e esconder o quanto possível os positivos. Afinal é preciso convencer o cidadão de que o bicho-papão está a espreita na rede e que ele deve voltar a ser o velho  telespectador, instalado passivamente, na segurança do seu sofá e dos afagos dos anunciantes que desfilam seus produtos pela tela.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Bolsonaro, racismo, simplismo e superficialidade

Tenho lido inúmeras postagens sobre a polêmica entrevista do deputado Jair Bolsonaro ao programa CQC. Grande parte dos textos referem-se à resposta enviesada que o deputado deu à cantora Preta Gil. Para essa resposta, Bolsonaro tem justificado que não entendeu a pergunta, que estava só sendo preconceituoso (parece piada não!?) e não racista. Pode ser verdade, mas em um outro momento da entrevista, que não vi ser muito explorado até o momento, o deputado revela-se racista ou então demonstra uma capacidade intelectual e argumentativa bastante reduzida.

Quando perguntado sobre os motivos de sua oposição às cotas raciais, Bolsonaro responde argumentando que todos são iguais perante a lei e completa dizendo que não entraria em um avião pilotado por um cotista e que nem aceitaria ser operado por um médico cotista.

Pois bem, essa argumentação simplista do deputado, por um ângulo, revela sua postura racista, alguém que supõe que os negros só não estão na faculdade por terem menor capacidade intelectual do que brancos, já que todos são iguais perante à lei. Ou seja, para Bolsonaro, a única barreira entre os negros e os cursos superiores é o vestibular. Assim as cotas raciais só serviriam para incluir nas faculdades aqueles que não tem intelecto suficiente para a aprovação nas provas do vestibular. Considerando este ângulo da argumentação do deputado é possível concluir que ele acredita que todas as dificuldades enfrentadas pelos negros na sociedade brasileira se devam unicamente às suas próprias incapacidades.

Por outro ângulo, a fala de Jair Bolsonaro pode nos levar a concluir que é ele próprio que apresenta dificuldades de discernimento e/ou precário pensamento lógico. Quando diz que não entraria em um avião pilotado por um cotista e não aceitaria ser operado por um médico cotista, está revelando não entender a política de cotas e joga todo o peso da formação de um profissional superior, nas provas de ingresso no curso. Seguindo o pensamento lógico deste Jair Bolsonaro, as faculdades de medicina poderiam ser fechadas e para clinicar bastaria passar no vestibular. O deputado não teria entendido que cota racial é uma forma de amenizar o prejuízo causado por séculos de exclusão que a população negra tem sofrido neste país. Ele não sabe que o sistema de cotas funciona somente para o ingresso nos cursos superiores e que a partir deste ponto não existe regras de cotas para as avaliações do desempenho de estudantes negros ou brancos.

Por fim, podemos chegar a duas conclusões a partir da análise dessa entrevista do deputado federal Jair Bolsonaro. Primeira conclusão é que, independentemente de qual seja o verdadeiro Jair Bolsonaro, pensamentos e posturas como as dele devem ser combatidas e confrontadas com clareza, tranquilidade e forte argumentação para que não prosperem ainda mais na sociedade brasileira. E a segunda conclusão é que não podemos aceitar que temas fundamentais para a sociedade brasileira continuem sendo abordados e debatidos de forma tão simplista e superficial como a que foi adotada por este deputado federal que, por incrível que pareça, já está em sua sexta legislatura.